sábado, 3 de julho de 2010

Veiga, Rosa e os Prefácios

Nas décadas de 60 a 80 do século passado, em Goiânia, um jornalista destacava-se, em Goiânia, pelos textos impecáveis de artigos, crônicas e reportagens: Anatole Ramos. Tal como Carmo Bernardes e João Bennio, era desses goianos nascidos em Minas Gerais e trazia na essência, além dessa facilidade de estar em Goiânia, uma diversificada bagagem cultural.

Nascido na década de 20, sargento especialista da Aeronáutica, foi mobilizado pela Força Expedicionária Brasileira e mandado à Itália. Costumava dizer que era um falso combatente, pois jamais deu um tiro sequer naqueles combates. Mas não escondia que era um dos que municiava os aviões-caça de tantas glórias.

A FEB foi extinta antes mesmo que os pracinhas desembarcassem no Brasil. E, na mesma medida, ou numa outra emitida em data igual ou muito próxima, o governo agonizante de Getúlio Vargas forçou a baixa das fileiras de todos os sargentos com menos de nove anos de caserna. Entre eles, Anatole Ramos. Mas Getúlio não deixaria a sargentada na rua. Não era à toa que o chamavam o “pai dos pobres”. Assim, os militares dispensados foram absorvidos em ministérios, autarquias e empresas públicas federais. Anatole Ramos escolheu (ou foi designado para) os correios.

Foi assim que veio parar em Goiás: transferido. Encontrou uma Goiânia ainda bucólica, com cerca de 200 mil habitantes. Formou-se em Direito e Letras Vernáculas e faltava-lhe um quase-nada para graduar-se também em jornalismo, mas deu-se conta de que estava se aposentando: “Formar-me em jornalismo para quê? Já sou jornalista”. E dos bons. Dos ótimos!

Mas não era só. Perambulava pelos textos com uma impecável maestria e, na minha opinião, era na crônica que ele “nadava de braçada”. Como crítico literário, era único. Justamente por isso, era o guru de todo candidato a escritor nesta terrinha. Foi campeão goiano de prefácios enquanto viveu (faleceu em 16 de abril de 1994, por conta de complicações causadas pelo diabetes). Até eu mereci dele um prefácio e vários outros textos críticos que muito me orientaram (e corrigiram), estimulando-me sempre. Num desses prefácios, justamente para Cora Coralina, ele escreveu que o autor pede um prefácio imaginando que o escriba convidado lhe enriquece a obra, mas o prefaciador desfruta, ele sim, de uma carona na obra alheia.

Conto isso tudo para recordar, homenageando, o homem rico do Bairro Feliz. Não, não... Ele não era rico de dinheiro, mas tinha por fortuna essa qualidade incomum entre os bem-nascidos: a competência para bem orientar e, assim, construir amigos e admiradores. Jamais deixou sem resposta um leitor que lhe escrevesse; jamais deixou sem ajuda um escriba incipiente que o procurasse. Era o nosso grande padrinho literário.

Sempre que ouço falar em prefácios, recordo Anatole. E, a ele, junto outro grande amigo que se foi, também, para a “mansão dos bem-aventurados”: José J. Veiga. Qualquer leitor de Veiga sabe que seus livros não têm prefácios. E ele não escrevia prefácios para ninguém: “Não gosto de prefácios”, disse-me ele, e exemplificou com uma história sua mesmo:

– Mostrei ao João Guimarães Rosa os originais de “Cavalinhos (de Platiplantos)”; ele demorou a me devolver. E eu pensava no que dizer, caso ele me trouxesse um prefácio. Mas isso não se deu, pois, ao me devolver as folhas datilografadas, João me disse: “Demorei porque fiquei com receio de que me pedisse um prefácio, e eu não gosto de prefácios”.

Nós, os que já palmilhamos alguns trechos na senda das letras, somos sempre procurados para escrever prefácios, orelhas e quaisquer outros comentários. Eu tento fugir dessas obrigas, pois não me sinto com autoridade para discorrer sobre obra alheia. Prefiro, sim, comentar como leitor comum. Mas tenho amigos de letras que se arrepiam e têm urticárias emocionais quando um novato se aproxima com o pedido (muitas vezes, sem proximidade para tanto):

– “Prefaceia” meu livro…

Luiz de Aquino Alves Neto - 01/03/2010.

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